O brasileiro não tem memória.

Neste blog desmascaramos esta mentira.









domingo, 4 de agosto de 2013

Conhece-te a ti mesmo, Brasil (4):a prevalência do espaço privado sobre o espaço público (em construção)

Nessa série do blog tento identifcar e analisar algumas características do povo brasileiro, que percebi durante os anos em que vago por esta Terra.  Tento compreender o nosso modo de ser - que é um dos elementos componentes do patrimônio cultural - para me posicionar  quanto à minha identidade.

No primeiro post, destacamos a necessidade que o brasileiro sente de ganhar, ganhar em tudo: http://direitoamemoria.blogspot.com.br/2012/11/conhece-te-ti-mesmo-brasil-1.html. Não acredito que seja um traço identitário exclusivo dos brasileiros, mas a sua manifestação certamente é.

No segundo post refletimos sobre essa patológica impontualidade brasileira: http://direitoamemoria.blogspot.com.br/2013/01/conhece-te-ti-mesmo-brasil-2.html.  Os horários no Brasil são meras sugestões e quem cumpre horários pode até ser mal compreendido.  Aqui parece ninguém se incomoda de gastar o tempo alheio.

O terceiro post comentamos sobre a suposta "alegria de viver" que os outros apontam nos brasileiros: http://direitoamemoria.blogspot.com.br/2013/03/conhece-te-ti-mesmo-brasil-3-questao-da.html. Será que o brasileiro é alegre?  Não acredito que isso possa considerar-se um traço identitário.  

Nesse domingo ensolarado acordei pensando sobre a dicotomia público x privado, e considerei que esse é um aspecto importante para auto-análise.

Para Roberto DaMatta (1997, p. 48), a “Casa”, representativa do espaço privado por excelência, é bem caracterizado na sociedade brasileira é onde o indivíduo transita com liberdade, construindo suas relações sociais com sua ética própria. Para o autor, o discurso privado é típico das camadas populares, enquanto que o âmbito público é dominado pelos donos do poder, onde são estabelecidas a Lei, a ordem e a política.

A dicotomia entre o âmbito social público e privado, com prevalência do segundo, parece influenciar a concepção de sociedade e cidadania no Brasil. Como o “privado” é mais bem caracterizado para o povo, a sua visão de sociedade e Estado será, evidentemente, privatística: para o indivíduo o Estado e o governo são os outros, e não o “nós”. Em conseqüência os bens públicos, que pertencem ao Estado, são dele e não “nossos”, daí os incompreensíveis atos de vandalismo em equipamentos públicos.

É claro que muitos fatores podem contribuir para esse distanciamento que existe entre indivíduo/sociedade e o Estado, dos quais se destacam a postura autoritária e a centralização do exercício do poder político no Brasil, que são excludentes da sociedade, a ausência de canais de interlocução e até mesmo a ausência do Estado no cotidiano de determinadas camadas da população, que sequer são contempladas com os serviços públicos básicos.

Essa falsa dicotomia, e a distância entre daqueles que exercem o poder político, parece explicar porque durante tanto tempo os cidadãos não exerceram publicamente os seus direitos, e nem reivindicavam adequadamente a sua efetividade. O brasileiro não percebe muito bem o tipo de relação que deve travar com os governos, e isso gera o medo de lidar com autoridades, herança pesada das ditaduras que sofremos (http://direitoamemoria.blogspot.com.br/2012/10/memoria-coletiva-e-autoritarismo-3-o.html).

Com as recentes manifestações pela efetividade de direitos fundamentais (cf. http://direitoamemoria.blogspot.com.br/2013/06/manifestacao-pela-efetividade-dos.html), acredito que essa dicotomia poderá ser estabelecida em novas bases, e torço para que o espaço público (em construção) contemple formas mais democráticas de ouvir e atender ao pleito dos cidadãos, sem que seja necessário o desabafo que vimos os últimos tempos.

Referências

DAMATTA, Roberto.  A Casa e a Rua. Rio de Janeiro: Rocco, 1997. 

DANTAS, Fabiana. O direito fundamental à memória.  Curitiba: Juruá, 2010.

3 comentários:

  1. Depois das manifestações ouvi diversas vezes que "o Prefeito é meu empregado", o "deputado é meu empregado". Ou seja, estamos reforçando a idéia privatística.

    Sem contar que, diante da pesada cultura escravista que recebemos de herança, isso significaria que essas pessoas deveriam receber salário mínimo, ser assediadas moralmente e viver em quartinhos sem janela.

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  2. Interessante. Fuça ai que tem mais coisa.

    Fez-me lembrar da historia do muro de Berlin. Antes o povo depredava como forma de manifestar o descontentamento pela existência do muro. Hoje, muita gente tenta comprar um pedaço dele, criando um verdadeiro mercado de obra de arte.

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  3. Mais uma corroboração em novembro de 2016. Mas dessa vez, um ministro (Calero) acusou o outro (Vieira) de tentar prevalecer o interesse privado sobre o público. E isso, surpreendentemente, causou indignação.

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